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Entrevista a... Manuela Gandra, artista plástica
Manuela Gandra é uma artista plástica portuguesa com uma sólida carreira de mais de 25 anos, onde se contam diversas exposições a nível individual e coletivo.
Atualmente, a artista tem em exibição na Fábrica do Braço de Prata, em Lisboa, a exposição “A Dança de Encher a Pança”, a qual poderá ser visitada até ao final do mês de outubro.
Falámos com a Manuela para descobrir o que a move neste tumultuoso mundo que é o das artes, e gostámos do que ouvimos!
Ao longo da tua carreira já te dedicaste a distintas áreas nas artes plásticas, como o retrato, restauro, pintura, e mais recentemente animação e ilustração. Podes falar-nos um pouco do teu percurso, de como nasceu a tua paixão por estas áreas, de quando decidiste que querias seguir uma carreira nas artes?
Comecei a desenhar como toda a gente, em criança, mas tenho sempre na memória a forma magnífica como o meu pai me seduziu em relação ao cinema, particularmente ao mudo e sobretudo aos grandes clássicos de terror; por outro lado, à música. Depois de ver um filme, desenhava os monstros todos e fazia metamorfoses como no caso do Dr. Jekill e Mr. Hyde. Penso que foi quando me tornei pré-adolescente que interrompi a dedicação ao desenho. Poderia dizer-se que não seria relevante esse começo principalmente porque foi interrompido até ser jovem adulta, mas teve toda a importância porque certas características da minha forma de desenhar ficaram no meu trabalho para sempre.
Não posso dizer que tenha decidido seguir uma carreira nas artes com toda a convicção, isso surgiu mais tarde, já depois de viver em Lisboa há alguns anos e não quando me comecei a dedicar a algumas dessas atividades, não porque não tenha tentado, mas houve alguns receios e muitas dificuldades, muitos obstáculos. Em parte porque vivia em Viseu, penso que se tivesse vindo viver para Lisboa mais cedo tudo teria sido diferente. Naquela altura viver na província era muito mais limitador do que é hoje como é evidente, até porque ainda não havia Internet. Quando vim para Lisboa pensava sobretudo na minha subsistência e andava à procura de porto seguro para não ter de regressar.
A partir de 2004/2005 comecei a ter uma vontade enorme em me dedicar à animação e foi graças ao Tiago Pereira do canal ‘A Música Portuguesa A Gostar Dela Própria’ que consegui realizar esse sonho, propôs-me logo o desafio de fazer o genérico do seu filme ‘11 Burros Caem Num Estômago Vazio’ que ganhou o Prémio Tóbis para o melhor documentário português de curta-metragem no Doc Lisboa de 2006 e o Veado de Ouro para o melhor filme etnográfico no Festival Dialektus de Budapeste, portanto foi desde logo um bom começo.
Coleção Sepia Sapiens - S/título - 1992 - Aguada com caneta s/ papel - 39 x 52 cm
Como te descreverias enquanto artista?
Tenho uma enorme dificuldade em me definir até porque tenho uma grande resistência a rótulos. Acho-os perigosamente redutores e não quero ficar presa a eles, porque não quero correntes no meu trabalho. Uma coisa é poder dizer com agrado que quando veem o meu trabalho o identificam como meu, outra coisa é ficar presa a um estilo. Quero estar sempre em movimento e sempre a experimentar, embora possa parecer que não, por trabalhar há muitos anos com os mesmos materiais.
No entanto de alguns anos a esta parte passei também a trabalhar digitalmente. A esse nível, excecionalmente, até tenho uma definição, considero-me uma artesã digital. Algo que parece um contrassenso, mas que se calhar é uma questão de equilíbrio. Há uma certa tendência para esquecer que a máquina deve trabalhar em função de nós e não o contrário. Um computador é apenas um meio.
Podes descrever-nos um pouco o teu processo criativo?
O meu trabalho surge especialmente da necessidade de ‘dizer’ aquilo que penso e sinto. Podem ser gritos de certa forma, mas não necessariamente de dor. São apenas vida e a recusa da indiferença e conformação. É um estar alerta que pode ser poético. É a própria pulsação.
Tudo isto traduzido em texturas sobre papel que tem sido a minha superfície eleita. Há algo de tátil, de sensual, de transparente, de rugoso, de pele, de macio, de profundamente sensitivo..., quero dizer que o papel para mim é um meio muito abrangente, com inúmeras potencialidades. É profundamente físico e pode permitir o etéreo simultaneamente, sobretudo com a ajuda do aerógrafo que utilizo bastante. O aerógrafo e o papel permitem-me criar texturas muito especiais que potenciam o meu trabalho, mas que não se conclui nelas, porque acabam por ser ‘preenchidas’ por universos criados como qualquer puzzle, mas também quase por magia. Sim, é por magia que são criadas as histórias dos meus quadros, como se já lá estivessem, e a folha inicialmente branca é apenas um véu que é removido até à conclusão do trabalho.
Sem título - 2003 - Tinta pulverizada s/papel - 66 x 96 cm
Já expuseste, individual e coletivamente, em diversos locais por todo o país. Lembras-te da tua primeira exposição? Como surgiu a oportunidade? E daí em diante, tem-te sido fácil encontrar locais onde expor?
Lembro-me da minha primeira exposição individual, foi num pub/galeria em Viseu que pertencia ao pintor Rocha Pinto, a Galeria 22 e que foi um espaço de referência cultural e artística nos anos 80 naquela cidade; um sítio onde havia tertúlias, pequenos concertos, exposições e que foi uma lufada de ar fresco no ambiente fechado de Viseu da altura. Estranhamente, gerou-se uma concentração de artistas vindos das mais diversas áreas (teatro, música, literatura e artes plásticas) e de vários locais.
No entanto, quando fiz essa exposição em 1990 esse espírito já estava muito diluído, essa feliz e estranha coincidência de ‘reunião artistica’ já estava dispersa. Ainda assim havia uma Unidade Pedagógica de Viseu da Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto onde era professor de Desenho António Quadros, poeta, escritor, pintor, cenógrafo, letrista, maquetista, arquiteto, urbanista, apicultor, jardineiro, pecuário. Convidei-o para ir ver a exposição e foi assim que conheci aquele que considerei meu mestre na pintura até 1994, ano da sua morte.
A oportunidade surgiu naturalmente, senti necessidade de expor o meu trabalho individualmente e foi agendada a exposição.
As dificuldades que encontrei para futuras exposições foram mais de ordem logística, uma vez que, como já referi, sempre tive mais apetência por pintar em papel. O que por si só dificulta a colocação dos trabalhos num espaço, pois requerem uma proteção. Nos anos 90 não havia alternativas às molduras, ora emoldurar uma série de trabalhos implica dinheiro que nem sempre é possível disponibilizar.
Quais são os teus próximos projetos?
Os próximos projetos são em várias áreas, primeiramente levar a exposição “A Dança de Encher a Pança” (embora com algumas alterações que correspondem a novos trabalhos), a duas galerias de arte, uma em Coimbra e outra no Porto, embora não invalide a hipótese de outros locais que entretanto possam surgir.
Concluir uma série de desenhos para uma nova exposição aqui em Lisboa.
Desenvolver e concluir um filme de animação meu que tem avançado ainda muito lentamente.
Estou também a criar alguns objetos que se aproximam mais do conceito art & craft.
A Dança de Encher a Pança, 2013 - Técnica mista s/papel - 70 x 100 cm
Como encaras o estado das artes, especialmente das artes plásticas, em Portugal neste momento?
O estado das artes em Portugal, e tanto faz que sejam as artes plásticas ou não, é inerente ao estado do país em geral, ou seja sofre direta e indiretamente com a destruição massiva do país em todas as áreas. Enquanto estivermos sujeitos a toda esta incompetência da parte de quem nos governa e ao marasmo de um povo deseducado e por consequência obediente a quem ‘ensinaram’ que a cultura e as artes são secundárias na vida de um país, é profundamente heroico tudo o que se consegue fazer. Verdadeiros milagres!
Por outro lado há da parte de alguns artistas portugueses, sobretudo dos que são mais bem sucedidos e mais velhos, com maior evidência nas artes plásticas, um conceito de ‘família’ em que se tornam apoiantes fanáticos dos seus amigos. Tudo estaria bem se com isso não excluíssem os outros, mas logo à partida acaba por impedir o natural curso de um circuito artístico que poderia ser mais rico e abrangente. Acontece porém que quando por exemplo existe necessidade de união e de criar uma plataforma que defenda os direitos dos próprios artistas, como aconteceu há 3 anos, nada funciona ou se concretiza. No entanto, é já notória uma mudança nesta posição de pedra e cal em relação a alguns artistas de gerações mais novas com grande talento, que vão sendo mais facilmente aceites pela ‘velha guarda’.
Contudo, acho que existe muita imaginação e uma grande criatividade neste momento que gera alternativas novas, e que contrariam as expetativas mais obviamente negras que possamos ter.
Que conselhos darias a um jovem que sonhe perseguir uma carreira no âmbito das artes plásticas?
É muito difícil dar conselhos sem cair em lugares comuns. Portanto, prefiro não os dar. Direi apenas que o mais importante é ter a certeza absoluta de que se quer mesmo seguir esse caminho, é bom seguir em frente o mais cedo possível. Só a perseverança nos pode levar a bom porto.
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